O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou secretamente uma diretiva ao Pentágono para começar a usar força militar contra cartéis de drogas latino-americanos classificados por seu governo como organizações terroristas, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. A ordem fornece uma base oficial para a possibilidade de operações militares diretas no mar e em solo estrangeiro contra cartéis, levantando questões jurídicas.
O republicano tem travado uma guerra contra os grupos desde que retornou ao poder em janeiro, principalmente para tentar impedir o tráfico de fentanil, um opioide sintético que causou quase 50 mil mortes por overdose em 2024 nos Estados Unidos. A decisão de envolver o Exército americano na luta é a medida mais agressiva até o momento na crescente campanha do governo contra os cartéis.
Em fevereiro, Trump designou oito grupos do crime organizado latino-americano como organizações “terroristas globais”, incluindo o Cartel de Sinaloa do México, o Cartel Tren de Aragua da Venezuela e a gangue MS-13, que atua na América Centeal. Em julho, ele adicionou o Cartel de Los Soles à lista, liderado, segundo Washington, pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro.
A decisão de envolver as Forças Armadas na questão é a medida mais agressiva até agora na campanha crescente do governo contra os cartéis. Isso sinaliza a disposição contínua de Trump de usar as forças militares para cumprir o que tem sido considerado principalmente uma responsabilidade das autoridades policiais: coibir o fluxo de fentanil e outras drogas ilegais.
Autoridades militares dos EUA começaram a elaborar opções sobre como as Forças Armadas poderiam perseguir os grupos, disseram pessoas familiarizadas com as conversas, falando sob condição de anonimato para discutir as delicadas deliberações internas. Mas orientar militares a reprimir o comércio ilícito também levanta questões jurídicas, incluindo se seria considerado “homicídio” se as forças americanas, agindo fora de um conflito armado autorizado pelo Congresso, matassem civis — mesmo suspeitos de crimes — que não representam uma ameaça iminente.
Não está claro o que os advogados da Casa Branca, do Pentágono e do Departamento de Estado disseram sobre a nova diretiva ou se o Escritório de Assessoria Jurídica do Departamento de Justiça produziu um parecer oficial avaliando as questões legais.
Após a publicação do New York Times, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, descartou uma invasão americana ao território mexicano nesta sexta-feira.
— Fomos informados de que esse decreto era considerado e que não tinha nada a ver com a participação de qualquer militar ou instituição em nosso território — disse Sheinbaum em sua entrevista coletiva matinal. — Os EUA não virão ao México com as Forças Armadas. Nós cooperamos, colaboramos, mas não haverá invasão. Isso está descartado, absolutamente descartado. Além disso, declaramos isso em todas as ligações: que não é permitido, nem faz parte de nenhum acordo.
Sheinbaum garantiu que as agências americanas com presença no México “são altamente regulamentadas”. A AFP contatou o Pentágono para confirmar a ordem, mas não recebeu resposta.
O governo Trump ameaçou repetidamente o México com tarifas, acusando o país de permitir a entrada de drogas, particularmente o letal fentanil, e de migrantes irregulares em seu território. Em uma ligação com Sheinbaum, Trump chegou a levantar diretamente a questão de levar as Forças Armadas de seu país ao México para combater os cartéis, o que a presidente se recusou a aceitar.
‘Organizações terroristas estrangeiras’
Já neste ano, Trump enviou a Guarda Nacional e tropas da ativa para a fronteira sudoeste a fim de coibir o fluxo de drogas e imigrantes, além de aumentar os esforços de vigilância e interdição de drogas. Quando voltou ao cargo em janeiro, o republicano assinou uma ordem instruindo o Departamento de Estado a começar a rotular os cartéis de drogas como organizações terroristas estrangeiras.
Trump tem como alvo específico as organizações venezuelanas e mexicanas. Em fevereiro, o Departamento de Estado designou o Trem de Aragua, a Mara Salvatrucha (conhecida como MS-13) e várias outras organizações como organizações terroristas estrangeiras, afirmando que constituíam “uma ameaça à segurança nacional além daquela representada pelo crime organizado tradicional”.
Há duas semanas, o governo Trump adicionou o Cartel de los Soles, ou Cartel dos Sóis, da Venezuela, a uma lista de grupos terroristas globais especialmente designados, afirmando que ele é liderado pelo presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, e outros altos funcionários de seu governo.
Na quinta-feira, os departamentos de Justiça e de Estado anunciaram que o governo dos EUA está dobrando a recompensa — para US$ 50 milhões — por informações que levem à prisão de Maduro, que foi indiciado por tráfico de drogas. O governo novamente o descreveu como chefe de cartel, e a secretária de Justiça Pam Bondi disse que ele “não escapará da justiça e será responsabilizado por seus crimes desprezíveis”.
Precedentes
Perguntada sobre a autorização de Trump para o uso da força militar contra os cartéis, Anna Kelly, porta-voz da Casa Branca, disse em um e-mail que “a principal prioridade do presidente Trump é proteger a pátria, e é por isso que ele tomou a decisão ousada de designar vários cartéis e gangues como organizações terroristas estrangeiras”.
Ataques militares unilaterais contra cartéis representariam uma escalada significativa na longa campanha para coibir o tráfico de drogas, colocando as forças americanas na linha de frente contra organizações frequentemente bem armadas e bem financiadas. Uma campanha sustentada também provavelmente levantaria outras questões relacionadas à pressão de Trump para usar as Forças Armadas de forma mais agressiva para apoiar várias de suas políticas, muitas vezes diante de restrições legais e constitucionais.
O envolvimento militar dos EUA no combate às operações de drogas na América Latina já ultrapassou os limites legais em algumas ocasiões. Mas essas operações foram enquadradas como apoio às autoridades policiais. A nova diretiva de Trump parece prever uma abordagem diferente, centrada nas forças americanas capturando ou matando diretamente pessoas envolvidas no tráfico de drogas.
Rotular os cartéis como grupos terroristas permite que os EUA “usem outros elementos do poder americano, agências de inteligência, o Departamento de Defesa, o que for, para atacar esses grupos se tivermos a oportunidade de fazê-lo”, disse Marco Rubio, secretário de Estado e conselheiro de segurança nacional, na quinta-feira, em entrevista à agência de notícias católica EWTN.
— Temos que começar a tratá-los como organizações terroristas armadas, não simplesmente como organizações de tráfico de drogas — acrescentou.
Especialistas jurídicos afirmaram que, de acordo com a legislação dos EUA, impor sanções contra um grupo ao declará-lo uma entidade “terrorista” pode bloquear seus ativos e tornar mais difícil para seus membros fazer negócios ou viajar, mas não fornece autoridade legal para operações semelhantes às de guerra, visando-os com força armada.
Restrições
Em seu primeiro mandato, Trump ficou fascinado com a ideia de bombardear laboratórios de drogas no México, uma ideia que seu secretário de Defesa na época, Mark Esper, mais tarde descreveu como ridícula em suas memórias e que provocou indignação entre as autoridades mexicanas. A ideia de usar força militar, no entanto, ganhou força entre os republicanos e se tornou um tema de discussão no ciclo eleitoral de 2024. Trump prometeu durante a campanha eleitoral enviar tropas de operações especiais e forças navais para, como ele mesmo disse, declarar guerra aos cartéis.
O contra-almirante da reserva James McPherson, que atuou como principal advogado uniformizado da Marinha no início dos anos 2000, disse que seria “uma grande violação do direito internacional” usar força militar no território de outro país e sem o consentimento de seu governo, a menos que certas exceções fossem atendidas, mas que tais limites não se aplicam a embarcações sem bandeira em águas internacionais.
Existem também restrições legais internas. O Congresso autorizou legalmente o uso da força militar contra a al-Qaeda após os ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, mas essa autorização não se estende a todos os grupos que o Poder Executivo considera terroristas.
Isso significa que a ação militar contra os cartéis teria, aparentemente, que se basear em uma alegação sobre a autoridade constitucional de Trump para agir em legítima defesa nacional, talvez contra overdoses de fentanil. McPherson observou que o governo tem promovido agressivamente uma interpretação ampla do poder unilateral de Trump.
Não está claro quais regras de engajamento regeriam a ação militar contra os cartéis. Mas qualquer operação que se propusesse a matar pessoas com base em sua suspeita de pertencerem a um cartel sob sanção, e fora do contexto de um conflito armado, levantaria questões legais envolvendo leis contra assassinato e um decreto de longa data que proíbe assassinatos, disse Brian Finucane, ex-advogado do Departamento de Estado especialista em leis de guerra.
— Sob a jurisprudência tradicional do poder executivo, seria difícil imaginar um traficante de drogas aleatório atendendo ao limite da exceção de legítima defesa à proibição de assassinato — afirmou.
Recompensa por Maduro
Vários integrantes republicanos do Congresso há muito tempo pressionam pela repressão ao tráfico de drogas e à violência. Na quinta-feira, o governo Trump aumentou a recompensa para US$ 50 milhões (cerca de R$ 272 milhões), por “informações que levem à prisão” de Nicolás Maduro, a quem acusa de colaborar com organizações de tráfico de drogas.
A procuradora-geral Pam Bondi afirmou que o líder chavista utiliza “organizações terroristas estrangeiras como o Trem de Aragua, o Cartel de Sinaloa e o Cartel dos Sóis para introduzir drogas letais e violência” nos Estados Unidos, acusação que Caracas rejeitou como “cortina de fumaça”. Em 2020, os Estados Unidos acusaram formalmente Maduro de “narcoterrorismo”. / AFP E NYT
(Com AFP)